Rita Lança
Cresci Doula e Reconheci-me Doula

Acredito que, quando a vida nos invita, vai trazendo o que precisamos para seguir caminho. Ser doula atravessa toda a minha vida- o que faço está integrado em mim, é uma extensão do que sou e manifesta os contextos pessoais, profissionais e formativos, todas essas vivências concretas foram o escopo para a doula se manifestar.
A doula que me povoa foi moldada pela terra e cultura onde plantei raiz profunda- o Alentejo que canta. Na vivência comunitária, intimamente telúrica, fui aprendendo a olhar a vida e a morte como fenómenos integrantes da ciclicidade que partilhamos com a Natureza. Ouvinte atenta dos testemunhos de tantas pessoas com quem cresci, ia tocando, nas histórias contadas nos serões ao lume, a transformação que o fogo da vida transporta, observando e integrando-a nos dias, continuamente.
A curiosidade que em criança me fez aproximar da realidade da morte abriu espaço para o envolvimento nos rituais. Por entre as cortinas das noites a velar mortos eu via desenhar-se a silhueta hábil das mulheres que continuam a tecer a vida, tocava o mistério que a morte revela quando nos abrimos a acolhê-la. Percorria o tempo, escancarado, com horizonte.
Este fascínio vivido levou-me a buscar diferentes narrativas, raízes culturais que enformam manifestações da mesma transcendência. No contacto com distintos contextos culturais, fui compondo a palete de recursos, de olhares e práticas que fundem, integram e celebram a morte como parte da vida.
Na esfera profissional, em particular na Direção de um Serviço de Apoio Domiciliário na serra do Montemuro, acompanhei famílias em contextos de envelhecimento, doença, fim de vida, ajudando a preparar na partida, a organizar os rituais fúnebres em estreita colaboração com agências funerárias, com entidades religiosas, a dar apoio nos processos de luto e burocracias práticas inerentes.
Aprofundei também a realidade das transições, morte, transformação no Curso e Estágio de Design em Permacultura, com especialização na área da fermentação.
A nível formativo, fiz ainda o Curso de Doula de Fim de Vida, Certificação Internacional em Cuidados Espirituais Contemplativos e Aromaterapia Clínica Biológica, entre outros.
Indissociável dos meus percursos formativos e profissional é o meu percurso de aprofundamento pessoal, o meu CV experiencial - a forma como vivo, as opções concretas que procuro encarnar, nomeadamente as éticas que me norteiam, como seja o decrescimento.
O âmago da pessoa que sou é a espiritualidade vivida, que assume diferentes linguagens, mediadores e manifestações. A Espiritualidade Inaciana- ver o amor em tudo e em todas as coisas, a gratidão como fonte de amor, viver em discernimento e por um bem maior.
A Espiritualidade Contemplativa de base do Budismo Tibetano- ajuda-me a estar em presença do sofrimento com compaixão, a trabalhar o desapego. O Vipassana- técnica de meditação/filosofia de vida em que pratico estar com a realidade, qualquer que seja a circunstância, com a consciência da impermanência, em conexão com tudo e todos os seres. Com o Xamanismo aprofundo a conexão com a linguagem da Natureza.
Acredito que viver é transformar-se no que se é. Vejo este papel de ser doula como algo que sempre se manifestou ao longo da minha vida, no universo pessoal e que materializei no universo profissional- o chamado a estar em contextos de intimidade, onde os serviços não tocam, mas levando esse olhar e experiência de quem conhece a realidade por fora e por dentro. Parafraseando Afonso Cruz, partindo a casca de ovo da realidade e vendo o que a sustenta, os seus ossos, o seu coração, a sua carne, porque desejamos iluminar tudo.