Acompanhar nas transições da vida
O tipo de acompanhamento que proponho dirige-se a pessoas que estão a passar por grandes transições, mudanças muito significativas, que podem ser vivenciadas em qualquer momento das suas vidas.
Com o conceito de transições quero significar a forma como nós vivemos as mudanças, os acontecimentos significativos, desafios e períodos das nossas vidas que sentimos como perturbadores. O grande foco é a mudança, perspectivada a partir do modo como lhe estamos a reagir e do potencial de transformação que essa(s) mudança(s) desvela(m), quando nos abrimos a experienciá-la conscientemente, buscando e ativando recursos internos e externos.
Estamos continuamente sujeitos à impermanência. Como é que convivemos com ela e nos permitimos atravessar as mudanças, sem perdermos o sentido de integridade, de quem somos e da forma como nos faz sentido viver?
Tradicionalmente, as grandes transições da vida, como sejam a passagem da adolescência à vida adulta, entre outras, eram amiúde reconhecidas, assumidas e vividas comunitariamente. Se por um lado, eram encaradas progressivamente, como fases de latência entre estádios diferentes da vida, por outro, eram acompanhadas por ritos que pretendiam amparar esse processo, e que o materializavam de forma acompanhada.
A minha ótica é, pois, acompanhar nas transições próprias da trajectória profundamente idiossincrática de cada pessoa, de cada família, que se sente chamada a trilharmos este caminho juntos, porque acredito que “Mudamos tudo aquilo em que tocamos. Tudo aquilo que mudamos muda-nos. A única verdade duradoura é a mudança” (Octavia Butler).
Qual o nosso gatilho para a mudança?
O filósofo Allen Wheelis, na obra How People Change, identifica três tipos de circunstâncias que desencadeiam mudanças nas nossas vidas.
Refere as mudanças internas, intrínsecas ao desenvolvimento, derivadas de causas fisiológicas, como seja o desabrochar da adolescência, com todas as transformações hormonais, emocionais, corporais que acarretam.
Menciona outro tipo de mudanças despoletadas por factores externos, circunstâncias invulgares no curso da nossa história pessoal ou colectiva, como seja o exemplo de ter vivido num campo de concentração nazi.
E, por último, fala de mudanças internas deliberadas, materializadas consciente e intencionalmente. Refere que todas elas são marcadas pela incerteza, mas as últimas são buscadas e assumidas, por nós perfilhadas.
Como referi num post anterior, acerca de saúde integral, “estamos em permanente gestação de nós próprios”, e as mudanças desvelam a possibilidade de através delas nos resignificarmos. Tal como a natureza que nos é dada contemplar, tal a nossa vida é um sistema vivo, onde há muita decomposição a acontecer, continuamente, e é nesse processo que se gera a complexidade.
Mudanças, transformação e desenvolvimento
“Um self que continua a mudar é um self que continua a viver” (Virginia Woolf).
Quando observamos a natureza reconhecemos que a chave da vida é o movimento e a mudança, a reconfiguração constante e criativa, na impávida não resistência.
Há uns anos decidi acampar permanentemente na terra onde vivi, para estar mais próxima, atenta aos ciclos da natureza. Montei a tenda debaixo dum sobreiro e, aquelas ventosas noites algarvias, sopraram no meu íntimo a firmeza e a aceitação que as árvores transmitem… Não resistem às intempéries, permanecem, comungando e habitando essa realidade, vestindo-se conforme a estação que as visita. Acolhendo e bailando com o Outono, enroscando-se com o Inverno, perfumando a Primavera ou amadurecendo com o Verão.
A natureza mostra o quanto a continuidade da vida passa pela transformação incessante, o quanto a caducidade é o reverso do florescimento, o quanto a decomposição é o húmus vivo.
Estes fenómenos naturais são estudados pela fenologia. Segundo a PhaenoNet, a fenologia refere-se ao estudo das mutações, do crescimento e do desenvolvimento das plantas. O étimo da palavra fenologia deriva do grego phaino, que significa fazer aparecer, trazer à luz, tornar visível, manifestar, juntamente com logos, que significa estudo.
O que mostra a fenologia suspensa da nossa vida?
A biografia das nossas transições
Qual é a biografia das nossas transições? Como as atravessamos? Que aprendizagens colhemos com elas? Como essas mudanças nos moldam? O que manifestamos na sequência das mudanças que vivemos? A que se deve a pessoa que somos hoje?
A máxima assinada pelo filósofo Ortega y Gasset “Eu sou eu e minha circunstância” convida-nos a reflectir sobre a forma como temos vivido, como queremos viver, ser.
Tornámo-nos reféns das circunstâncias ou reescrevemos a nossa história pela releitura que dela fazemos? Como conto a história dos desafios e peripécias que tenho vivido? Escolho uma forma integrada e pacificada de fazer memória futura de quem sou?
Porque é difícil mudar?
Para além de preferirmos arreigarmo-nos a dóceis e bolorentos hábitos, socialmente, tendemos a viver imersos em narrativas marcadas por fabulações imutáveis de continuidade… O nosso eu futuro está atrelado a um eu e a desejos presentes, devidamente contratualizados… Uma profissão e um emprego para a vida, uma relação perfeita, casados e felizes para sempre… E por aí segue o baile, sempre pontilhado pela almejada estabilidade, como se quem somos fosse imune ao que fazemos, vivemos, quando afinal, o que queremos vai mudando à medida que crescemos.
Mais uma vez a natureza como metáfora… A lição das lagostas.
Como é que as lagostas crescem? Ao crescerem a concha vai ficando pequena para nela viverem, quer queiram, quer não, vão ter que se livrar daquela concha… É um processo duríssimo… Terão de andar escondidas entre rochas, até desenvolverem uma nova concha. Este processo, tão visual na vida deste animal, é também um desafio nas nossas vidas. Ao longo da vida de uma lagosta ela muda várias vezes de concha. Será que nós nos permitimos livrar-nos da concha quando ela já é pequena para nós? Os medos de largar a concha, de fazer o luto, de crescer, de nos desenvolvermos.
A nossa identidade vai mudando e as mudanças significativas tendem a transportar o que apelido de “vislumbres de morte”, como se tocássemos o risco da desagregação, do vazio total, da perda do que consideramos ser a nossa pele, os nossos ossos. A incerteza, o desconhecido são arenas que perspectivamos como risco e as mudanças frequentemente transportam-nos. Estas pequenas mortes, que vivemos ao longo do curso da nossa vida, fazem-nos tocar a finitude, a nossa vida na sua nudez e vulnerabilidade, tão real.
Mudar é difícil porque implica perdas, algum tipo de renúncia, morte. É necessário abdicar de algo, que pode ser uma forma de olhar, um modo de ser, para que algo novo encontre terreno fértil para brotar.
Considero que parte da nossa resistência à mudança se alicerça também na forma como experienciamos o tempo, quase como se tivéssemos o poder de travar a passagem do tempo e as esculturas que ele vai modelando, nas belas palavras de Marguerite Yourcenar.
A plenitude de estar vivo é experimentar a finitude. Viver no impasse de não querer acabar toca profundamente a nossa relação existencial com a morte, com a vida enquanto ciclicidade.
A proposta de acompanhamento
Dentro de nós reside a potencialidade de mudar e a liberdade de escolher como viver as circunstâncias, sejam elas quais forem.
Mudar pode implicar muitos ingredientes, diferentes para cada um de nós, variáveis a cada nova transição… Doses q.b. de autoquestionamento, coragem, plasticidade, criatividade, vontade, auto superação, fé (em nós mesmos, nas circunstâncias que a vida aporta e/ou numa dimensão transcendente), esperança… Tal como escreveu o poeta Daniel Faria: “Seja o que for, / Será bom. / É tudo”.
Acredito que a forma como vivemos as mudanças está intimamente ligada à nossa paisagem interior, à nossa vida espiritual, e que, quanto mais conscientes estivermos dessa paisagem e dos recursos que ela enceta, mais preparados estamos para as transições que teremos que enfrentar.
O tipo de acompanhamento que proponho é desenvolvido à medida da pessoa, da família, ao seu ritmo e do que está a viver, dos desafios com os quais se confronta, das necessidades que experimenta.
Proponho-me acompanhar ao longo destas mudanças na vida -as pequenas mortes ao longo da vida - através da qualidade da presença. As pessoas precisam ser acolhidas, escutadas, testemunhadas, para expressarem e manifestarem o que tem que ser manifesto.
O meu foco é a mudança, contribuindo para que esta possa ser vivenciada com maior consciência e leveza.
Considero que o nosso desenvolvimento é um processo contínuo ao longo de toda a vida e que os medos, inquietudes que estes processos de mudança tendem a visibilizar transportam grande potencial de transformação. Tudo na vida é oportunidade para crescer. Mas é preciso coragem para ser feliz, largar para viver melhor, com mais leveza, para escolher como se quer viver até morrer.
Nesta esteira, foco o desenvolvimento espiritual e integral da pessoa, desde uma perspectiva de reconexão, de busca de sentido face às mudanças que vivencia, da importância dos rituais e da proposta de estar na realidade, focada no presente, com estratégias concretas, quotidianas para navegar estas vivências.
Como escreveu Tempest Williams, o concreto que a vida enceta conjuga-se nessa dualidade de:
“Quero sentir tanto a beleza como a dor da era em que vivemos. Quero sobreviver à minha vida tendo-a sentido. Quero falar e compreender palavras que ferem sem que estas palavras passem a ser a paisagem em que vivo. Quero ter um toque leve que pode elevar a escuridão ao reino das estrelas.”
Para além de uma abordagem individual, facilito igualmente sessões familiares bem como sessões grupais (com temas específicos, com uma vertente duplamente informativa e experiencial).
A nível de acompanhamento, tenho vindo a abarcar diversas fases, circunstâncias, consoante as trajectórias pessoais, que incluem: jovens/transição entre a adolescência e a vida adulta; casais com filhos pequenos; mulheres e desafios ao nível da conciliação da vida familiar e profissional; filhos na meia-idade e os novos papéis de cuidar dos pais idosos; famílias em contextos de quadros demenciais; doença oncológica; separações conjugais; perda gestacional; fim de vida; reconfiguração profissional; transições geográficas, perda animal, entre outras.
Neste Post quero tecer um especial agradecimento à Cristiana Oliveira, pela cedência da foto Brumas Durienses.
Esta bela foto espelha dinâmicas que vislumbro nas transições que acompanho.
Nos nossos processos de transformação e metamorfose, vão-se aclarando dimensões, redesenhando novos contornos. Nas viagens interiores que fazemos, como nas telas de Ingmar Bergman, inquieta-nos não vermos nitidamente, num primeiro relance, a necessidade que temos de visibilidade, como disse Exupéry, há dimensões que só os olhos do coração podem ver.
Esta imagem transporta na nebulosidade esse toque da incerteza, de sentirmos que atravessamos nevoeiros, penumbras, marcados pela indefinição ou pela visão turva. Relembra-me a viagem interior pontilhada pelo grande Branquinho da Fonseca, na sua obra Rio Turvo. Entre o real e o onírico, nos pântanos onde se desenham flores de lótus. Parece às vezes que vivemos uma realidade paralela, mas há algo que nos cativa nesse vislumbre do mistério, que se esconde perante o que nos é desconhecido, mas habitável.
Esta foto fala-me também da nossa capacidade de irmos tecendo pontes entre várias camadas da realidade que somos e vivemos, como se a realidade se nos vá revelando na medida em que os nossos olhos se vão habituando a outras cores, texturas… Lembro-me de uma professora de Sociologia que disse que os esquimós reconhecem mais de vinte tipos diferentes de branco… Para mim esta constatação fala-me desta nossa capacidade de nos adentrarmos de contornos mais profundos da realidade, desde o olhar… E esse caminho de alargamento do nosso espectro cromático é profundamente espiritual, ondulado pelas flutuações da vida.
Comments